O impulso para combinar e partilhar experiências – num estúdio ou num palco – esteve sempre na base dos maiores avanços criativos da música popular. E quando as experiências acumuladas individualmente se combinam num determinado ponto o resultado é quase sempre maior do que a mera soma das partes. Precisamente o que acontece com Orelha Negra.
Núcleo composto por cinco elementos; Cruz (DJ/ Scratches), Ferrano (Bateria), Gomes Prodigy ( Teclados, Sintetizadores, composições), Mira Professional, (Sampler de Voz/MPC, composição, sintetizador) e Rebelo Jazz Bass (Baixo, Guitarra).
Esta Orelha Negra esconde-se do olhar ao adoptar a cultura sleeveface (http://www.sleeveface.com/) como forma de enfrentar as câmaras, que é a maneira mais prática e directa de dizer que o que importa é o colectivo, o que realmente os diferencia é o que emana da combinação das suas experiências. Uma MPC, um par de Technics, uma bateria, teclas e baixo. Juntos formam uma célula poderosa que debita groove, breaks, samples, e loops com a autoridade de quem não chegou aqui agora. Nada disso: eles vêm de longe, de muito longe, e passaram muito para aqui chegar.
A Orelha Negra tem outra maneira de ouvir a história da música: aprendeu na música carregada de alma e de groove, aprendeu no espírito fracturante do hip hop, aprendeu no legado singular da música portuguesa e apoia-se na invulgar interacção entre groove programado e impulso real. É de diálogos que se trata quando se ouve esta música – entre o passado filtrado no sampler e o presente imaginado pelos músicos: um loop agarrado num disco de Paulo de Carvalho pode desprender-se da sua origem, assumir nova vida pela repetição e coordenar tudo o resto – o scratch, o baixo, a bateria e os teclados. E depois? Onde começa o que é de ontem – de vinil, desempoeirado pela paixão – e o que é urgente e de agora – dos Rhodes e das tarolas e do Hofner e do Technics 1210? Não se sabe, e essa é a ideia nestra troca de voltas que nos obriga a abanar a cabeça, a bater o pé, a ouvir. Com muita atenção.
E a Orelha Negra integra esse espírito de demanda nas suas músicas assumindo-se também como um laboratório de pesquisa da nossa memória. A ligação ao passado, no entanto, vai para lá dos sons e passa igualmente pela marcas visuais, pelos logos do mundo da música que foram encontrando lugar dentro do nosso olhar – cada um destes músicos “samplou” uma dessas referências, adoptando-a como identificação individual.
Vem aí a estreia – em single com o nome LORD – de um dos mais interessantes projectos de que há memória em solo nacional. Mais interessante por várias razões: congrega músicos de excepção, investe tempo e dedicação na imaginação, não teme o peso da nossa história singular ao evocar as nossas distintas memórias e cruza o que raramente se combina – máquinas e seres humanos, diferentes histórias musicais, diferentes culturas. A Orelha Negra vem dar ainda outro passo por sublinhar a base instrumental que tantas mensagens suportou, e encarando-a a ela mesmo como uma mensagem. De groove universal, pois claro, mas com um sabor que só se pode cozinhar em Lisboa. Aqui e agora. Ou seja, faz todo o sentido estarem aqui, em busca da perfeita repetição, sabendo que o funk é mesmo bom para suportar estas viagens no tempo. Como dizia Eduardo Nascimento: “ouçam”!
Line up
- Sam The Kid
- DJ Cruzfader
- Fred Ferreira
- Francisco Rebelo
- João Gomes